terça-feira, 23 de março de 2010

A peregrinação no caminho para Roterdão.


A Meia-Maratona de Lisboa fez 20 anos! A 'meia' da ponte como é carinhosamente tratada pelos atletas do pelotão, através do mediatismo adquirido ao longo dos anos e da magia da travessia do rio Tejo sobre a majestosa Ponte 25 de Abril, é das coisas que qualquer corredor tem mesmo de experimentar, pelo menos uma vez na vida! Assim, ao longo dos anos foi crescendo, até chegar à bonita soma de 35 mil participantes! O tabuleiro da ponte repleto de pessoas como se estivesse coberto por um manto colorido e o olhar sereno do Cristo-Rei com os braços abertos sobre a multidão - é algo místico que tornou este evento uma verdadeira peregrinação, onde o atleta mistura o profano - a festa, com o sagrado - a corrida!

"Todos parecem transportar algo maior que eles enquanto correm, assim concentrados na estrada, sempre muito magros e fortes, lembrando as figuras de Giacometti, íntegras, verdadeiras até ao osso. Corredores de fundo: que feliz a expressão, como que sugerindo uma qualidade interior, algo escavado em nós, que vai dentro de nós. Mulheres e homens correndo porque sim, porque sim, porque sim, tanta gente com eles.

Têm isso de bom as maratonas (ou as meias ou minis, não importa) pôr uns juntos com os outros, e todos a correr os lugares comuns. Não numa pista de tartan igual a mil mas uma cidade concreta como não há outra; subir aquele alto que a ponte tem a certa altura e logo a seguir descê-lo, aproveitando o balanço, e depois correr num quase milagre mesmo por cima da água e chegar à cidade inventada ao pé do rio.

Correr, correr muito, até o corpo correr sozinho, até sermos só alguém que segue o seu próprio corpo, ao longe, a assobiar para o ar como os detectives nos filmes, com cuidado para não sermos notados, não vá o corpo virar-se e surpreender-nos ali, assim soltos, tão desasados e abstractos; e finalmente, mesmo que não se tenha feito um bom tempo, mesmo que seja o último classificado, passar a meta com os braços no ar e um sorriso na cara, só porque sim, um sorriso de fundo, só porque sim"

(Excertos do Livro: "Meia Maratona de Lisboa - Quinze Anos")

Também eu aqui comecei, pelo que hoje, depois de já ter corridas 55 meias-maratonas não deixo nunca de recordar a sensação que tive quando a concluí pela primeira vez!

Apenas 15 dias após o meu record na distância na Póvoa de Varzim e a 3 semanas da maratona, optei por fazer desta prova um teste, planeando desde logo um tempo intermédio entre o meu melhor e o que pretendo passar à meia-maratona em Roterdão, ou seja 1h22m.

Assim, concluí a prova com o tempo final de 1h19m30s, muito longe de acabar esgotado e correndo sempre dentro de um ritmo perfeitamente controlado. Fiquei satisfeito com as pernas!

Espero que a peregrinação seja um bom presságio para Roterdão.

O treino continua, a fé é inabalável!

terça-feira, 9 de março de 2010

Até o cego (do Maio) viu!

Ao longo dos anos que conto de corrida, participo sempre com muito agrado nas provas que se realizam na Póvoa de Varzim, aliás como por aqui já escrevi, esta cidade remete-me para recordações muito felizes dos tempos da infância. Assim, gosto de me apresentar na Póvoa em condições de lutar pelos melhores tempos. Os records aqui obtidos dão razão à minha aposta, os percursos são praticamente planos, desenrolando-se em grandes rectas e com passagens por um ambiente urbano, convidativo para o público brindar os atletas com aplausos e ânimo. Se a meteorologia der uma ajuda estão reunidos todos os ingredientes para que os tempos finais sejam sempre bons.

Como todos sabem, o mau tempo e a chuva tem dado poucas tréguas neste inverno. Apesar das previsões serem animadoras, a manhã deste domingo na Póvoa estava muito chuvosa. No entanto, os aguaceiros não foram suficientes para desmobilizar os cerca de 800 atletas que marcaram presença. Gostaria ainda de salientar a excelente organização a cargo do município, que montou a logística da corrida junto ao local de partida, no Pavilhão do Desportivo da Póvoa, disponibilizando ainda balneários para os atletas se equiparem e no fim, se assim o desejarem, tomarem o respectivo duche.

Em plena fase de preparação para a Maratona de Roterdão, com treinos intensos e muitos kms nas pernas, esta 'meia' iria servir para avaliar o estado de forma, mas com a tentaiva de bater o record pessoal da distância em mente! Tenho consciência que a minha margem de progressão já não é muito grande, deste modo os objectivos que traço para as corridas são realistas, alcançáveis, mas exigentes. A estratégia para o record era rodar em média a 3m39s/km e cada parcial de 5 km em 18m15s.

Partida dada debaixo de chuva miudinha, mas sem o indesejado vento. Primeiro e segundos kms corridos abaixo do programado e desde logo um grupo de uma dezena de atletas constituído. Eu e o meu amigo Manuel Mendes, que no passado travamos uma interessante luta, com a vitória a pender para o meu lado por escassos 18 segundos, seguiamos juntos e na dianteira deste pelotão. Num ritmo a rondar os 3m35s/km fomos galgando os kms e no encalço de um outro grupo que seguia 300 metros à nossa frente, onde rumavam duas atletas femininas, que como é hábito levam sempre muitos corredores na boleia do seu andamento.

Os 5 kms foram dobrados com o tempo de 18m05s e parecia que estávamos a encurtar a distância do grupo da frente. Quando pisamos o tapete de controlo de chip em Santo André, aos 9 kms, era notório que a distância efectivamente tinha diminuido, aliás alguns atletas desse grupo começaram a descolar e nós a ultrapassa-los. O nosso ritmo não sofria grandes alterações e na passagem dos 10 kms o nosso tempo era de 36m15s.

Entretanto o nosso grupo já se desmembrara, passou a trio, composto por mim, pelo Manuel Mendes e por um atleta da Galiza. Estrada fora, com grande espírito de entreajuda fomos ultrapassando um a um os atletas que entretanto iam em perda. Por volta dos 13 kms, cheguei a pensar que o Manuel e o galego iriam fugir-me, o ritmo continuava forte e as pernas parece que queriam vacilar. Relaxei um bocadinho, ingeri o gel que levava, retemperei forças e os 3 metros que me separavam do duo não eram suficientes para me fazer esmorecer. Aos 15 km o meu cronómetro registou 54m32s.

Por volta dos 16 kms já estava novamente colado ao duo. No entanto o galego forçou o ritmo e ganhou-nos uns 5 metros. A corrida estava boa e muito animada! Eu e o Manuel aceleramos para caçar o 'nuestro hermano' e o ritmo obviamente não baixava! Junto ao Casino, na placa dos 20 kms o espanhol já estava alcançado e o relógio marcava 1h12m52s. Uns metros mais à frente o Cego do Maio na sua pose característica parecia que avistava o meu record! Eu também sentia que iria conseguir! Já em pleno Passeio Alegre e com a meta à vista o ritmo era elevado, na ordem dos 3m30s/km, o duelo com o meu amigo Manuel estava ao rubro, ele que tantas vezes ameaçou que me ganharia ia um metro à minha frente! Ainda lhe disse que desta vez ele venceria, parecia-me mais forte e eu já ia muito próximo do limite. Nos derradeiros metros galvanizado pelos incentivos de muitos amigos que assistiam à corrida, num último fôlego e sprint, alcancei o Manuel mesmo em cima de linha de meta! O último km foi corrido em 3m25s! O tempo final, 1h16m43s! Um excelente record numa corrida disputadíssima!

Este ano talvez o Manuel merecesse ganhar, no entanto apesar de alguém ter dito que eu cheguei uma pontinha à frente, o tempo registado no chip de ambos revelava um empate! Os caprichos da tecnologia assim o ditaram, agora eu e o Manuel que saudavelmente gostamos de competir, no próximo ano voltaremos ao mesmo palco para desempatar. Por mim, fica desde já marcado!

Com Roterdão no horizonte do cronómetro o treino continua, mas daqui a 15 dias estarei em Lisboa para a peregrinação da ponte!

Haja pernas!