quarta-feira, 25 de abril de 2007

Tempo de recuperação e reflexão.

A maratona esvazia as reservas de energia do corpo, causando com alguma frequência danos no tecido muscular. O descanso e uma alimentação rica em hidratos de carbono, ajuda à recuperação do organismo. Assim, após três dias de descanso completo, regressei à terra batida do parque das Taipas para correr muito devagar, não indo além dos trinta minutos. No dia seguinte continuando "trotes" leves não excedi os quarenta, seguiu-se mais um dia de descanso e nos posteriores continuei as corridas a ritmos muito suaves. Só a partir do décimo dia após a maratona começarei a aumentar o ritmo, sem nunca esquecer de escutar o que o corpo tem para me dizer. Durante este período vou também fazer uma parafernália de exames médicos para ver como está o funcionamento da "máquina".

Em tempo de recuperação é oportuno fazer uma reflexão sobre a maratona. Os objectivos não foram cumpridos, há que analisar o que falhou. Continuo a confiar no treino que fiz, o único problema, nomeadamente o longo, é que nunca foi realizado com os termómetros a marcarem valores superiores a 18 graus. Corri a maratona com temperaturas atípicas para a época, em especial para um país como a Holanda. Não estava preparado para correr com um calor que na maior parte do tempo da prova, variou entre os 25 e os 29 graus, uma vez que o meu plano de treinos decorreu quase na totalidade, durante o Inverno. As alterações climatéricas estão na ordem do dia, temos de respeitar a natureza. A meteorologia é algo que não posso controlar, terei de esperar para que na próxima vez seja brindado com um tempo mais de acordo com o que o meu corpo se habituou nos treinos. Mas, cada maratona tem uma história que ensina algo, esta pelo elevado grau de dificuldade que teve, certamente vai-me conferir uma experiência muito útil para as próximas que correr.

Aproveitei ainda para fazer uma consulta aos meus apontamentos de corrida e achei interessante partilhar com os meus leitores alguns números. Desde a minha primeira prova, no já longínquo dia 24 de Março de 2002, até agora, fiz as seguintes competições:
- 5 Maratonas,
- 32 Meias-Maratonas,
- 8 Provas de 15 Km,
- 29 Provas de 10 Km.
O que dá uma bonita soma a rondar os 1.324 quilómetros, cuja média é de uma competição por mês. Se às competições juntar os treinos, calcei as sapatilhas para correr em 1.564 dias, totalizando uma média de 25 dias por mês. A estimativa de quilómetros corridos ascende a 18.500, com uma média de cerca de 3.460 quilómetros ano.

Tantos quilómetros! Mas, muitos outros se seguirão, porque como diz o ditado: - quem corre por gosto não cansa - e já aqui escrevi: - correr faz parte de mim como o meu próprio nome!

Boas corridas!!!

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Maratona de Roterdão: Quilómetros de calor e desilusão.

Tradução: Maratona acaba em campo de batalha.

No dia anterior à maratona, a organização, através da comunicação social, alertou os atletas para ajustarem as suas expectativas, relativamente aos tempos a que cada um se propunha fazer, porque era esperado um dia muito quente, anormal para a época. Ouvi estas notícias, mas achei que se estivessem no máximo 24 graus, que era o previsto, iriam certamente dificultar a minha tarefa, mas não a tornariam impossível. Também pensei que eu estaria mais habituado a um clima destes e que o alerta era um mero exagero dos holandeses. Sentia-me bem, tinha-me preparado ao longo de muitas semanas e não iria ser a meteorologia o motivo para alterar os meus planos. Além do mais, pior que não cumprir os objectivos, é não ter objectivos. Era com este espírito que me ia apresentar na partida para tentar bater o meu record pessoal da maratona.

No domingo acordei cedo, com sol lindo e uma temperatura muito agradável. Cheguei a Roterdão pelas 9h30m, equipei-me e às 10h00m horas já estava nas proximidades da partida pronto para fazer um ligeiro aquecimento, sentir a envolvência e o ambiente da maratona dos cerca de doze mil participantes esperados. Não precisei da tradicional t-shirt por cima da camisola de corrida o que não era bom sinal. Assim, depois de uns exercícios leves e de um "trote" suave dirigi-me para a zona da partida. Como ainda tinha de aguardar trinta minutos pela largada, fui observando os atletas. Alguns pareciam que iam para uma prova no deserto, ostentando em volta da cintura pequenas garrafas com líquido e pacotinhos de suplementos em gel. Mas a larga maioria, comigo incluído, estava ali sem nada, apenas sentados à espera do tiro da partida, olhando aqui e ali para o céu, a vislumbrar o sol e o calor que começavam a aumentar.

Começa a maratona e como é hábito em todas as corridas, o meu andamento é um pouco rápido para ganhar alguns lugares e poder correr mais à vontade sem ser atropelado. Os passeios que delimitavam as ruas estavam apinhados de um público eufórico e entusiasta, fotografando e incentivando ruidosamente todos os atletas que passavam. Com esta agitação toda, não consegui ver a placa do primeiro e do segundo quilómetro, para analisar o andamento, apenas vi a do terceiro e verifiquei que estava dentro do tempo previsto. Assim fui correndo dentro do ritmo estipulado. Aos quinze quilómetros, tinha uma hora de corrida e aqui comecei a sentir o calor, o meu corpo foi-me dando sinais que seria muito difícil manter aquele ritmo até aos trinta quilómetros. Abrandei um pouco, aliás queria que esse abrandamento fosse ligeiro, mas acabou por ser em demasia e aos vinte quilómetros as aspirações de bater o meu record começavam a ficar hipotecadas.

Passei o relógio da meia-maratona com 1h26m10s, o calor apertava, o ar era abafado, a respiração mais dificil. Fazer outros tantos quilómetros, naquelas condições, naquele ritmo não iria ser possível. Aqui sim, tentei ajustar os meus objectivos - concluir a prova entre as 2h59m30s e as 2h59m59s. Numa tentativa de tornar isto possível, esforcei-me para não quebrar e manter um andamento certo, mas por volta dos vinte e sete quilómetros com quase duas horas de corrida e um calor cada vez mais sufocante, senti que até isto não seria alcançável.Não sou suicida, mas também não sou pessoa de desistir, olhei para os espectadores que estavam na rua a incentivar e naquele momento decidi que iria continuar a prova, apesar de ver muitos atletas a pararem e depois a desistirem. Este fantástico público que nunca regateara apoio aos atletas, que sentindo as dificuldadas geradas pelo calor, juntou à palmas e às palavras, abastecimentos extra, com água em mangueiras ligadas desde as casas, pedaços de banana e laranja cortados nas mãos estendidas para os atletas, mereciam que fizesse um derradeiro esforço.

Cortei a meta com 3h09m28s. Enfiaram-me a medalha no pescoço, mas quase nem dei por isso. O ambiente era desolador, não vi um único rosto feliz, vi gente cansada, triste, cabisbaixa, sentada, a beber um golo de água ou a a mastigar um pedaço de laranja e a abanar a cabeça. Parecia que uma guerra tinha terminado e todos tínhamos perdido, tal era o cenário de desilusão. Obviamente, eu também me sentia assim. Mas sei o que todos pensavam, sei o que lhes ia na alma. Aqueles olhares de mágoa e raiva estavam já a projectar correr uma outra maratona dentro de alguns meses. Estranha tribo esta!

As tulipas dão-se mal com o calor. Ficam caídas e meladas. Ofereceram-me rosas. Triste sina a minha. Queria o perfume das tulipas, tive os espinhos das rosas.



Mais tarde vim a saber:

- Quando a prova começou estavam 19 graus, mas passado uma hora subiu aos 26, depois aos 28 e em grande parte do percurso atingiu os 30 graus. Um record histórico para a Holanda no mês de Abril.

- 111 atletas tiveram de ir ao hospital receber soro devido a desidratação extrema.

- Desistiram aproximadamente 2.500 atletas e a organização cancelou a prova às 14h45m, forçando a desistência de cerca de 3.000 atletas.

- Oficialmente terminaram a prova 4.339 atletas, eu fiquei em 244º lugar.






quarta-feira, 11 de abril de 2007

O comboio para Roterdão.

Muitos atletas dizem: "Correr uma maratona não custa, o que custa é treinar para ela". Não concordo inteiramente. É verdade que a preparação de uma maratona exige disponibilidade de tempo, bastante rigor e muita disciplina de treino. Mas, para quem treina habitualmente, o trabalho específico para uma maratona é tudo menos monótono, pois como é muito variado, acaba por quebrar a rotina das corridas do dia a dia.

A minha preparação, seguiu um plano de doze semanas, elaborado atendendo às minhas capacidades e ao momento de forma em que me encontrava no início.

Assim, durante a semana, dividi os meus treinos entre os parques de lazer das Taipas e Ponte, nas margens do rio Ave. Foram semanas de treino diversificado, com rampas, séries curtas, médias e longas, corridas contínuas, corridas a ritmo progressivo e também os imprescindíveis 'trotes' ligeiros, essenciais para a recuperação entre os treinos mais desgastantes.

O domingo era resevado para os treinos longos, que variaram entre as 2h00m e as 2h30m de corrida. Todos estes treinos foram realizados na ciclovia Guimarães - Fafe, que tem uma extensão de cerca de catorze quilómetros. É uma pista em alcatrão com marcações a cada quilómetro, construída no final da década de noventa sobre a antiga linha do caminho-de-ferro desactivada em meados dos anos oitenta. Gosto particularmente de treinar nesta pista. A paisagem é muito agradável, tem um percurso bastante sinuoso e carregado de vestígios de outros tempos, que me transporta para a magia dos comboios.

Algumas vezes com chuva, outras com sol e muitas outras com uma neblina típica da zona montanhosa, bem cedo iniciava a minha 'viagem'. Com apenas dois quilómetros corridos sugia um pequeno túnel e aí, inspirado pela escuridão, a minha fantasia remetia-me para o comboio. Após a saída do túnel, aparece a antiga Estação de Paçô Vieira, votada ao abandono e à degradação, entre os escombros, onde a minha cabeça consegue vislumbrar um 'relógio imaginário' que diz se vou ou não no andamento certo.

Até Fareja, o percurso ligeiramente a descer, atravessa desfiladeiros e penhascos carregados de musgo entre o arvoredo denso e onde o nevoeiro se concentra nas manhãs frias de Inverno. Muitas vezes aí 'saltei para dentro do comboio' e parece que via pessoas de gerações passadas. Aquela mulher de avental e lenço na cabeça, com o rosto marcado pelos anos e as mãos calejadas do trabalho do campo, que levava dois cestos de hortaliça para vender no mercado da cidade. O homem de chapéu, cara rosada, fato e camisa engomada, com ar de lavrador abastado, que ia a Fafe cobrar umas pipas de vinho que tinha vendido a um taberneiro.


Perdido nestes pensamentos, volto à minha corrida, entretanto num antigo caminho que atravessava a linha-férrea, surge uma placa que o tempo quase apagou, a dizer: "Pare, escute e olhe!". Não paro, escuto os sinais do corpo que dizem que o ritmo é bom, olho em frente analisando o caminho, sigo numa passada certa, tal e qual uma locomotiva em movimento. Mais à frente surge Cepães, a sua antiga estação, agora transformada em bar, é local de paragem para cicloturistas procederam ao merecido abastecimento. Como a minha 'viagem' não pára, transporto uma garrafa de água na mão, para me ir abastecendo ao longo do percurso. Depois de uma ligeira subida, uma curva, mais uma curva contra curva e chego ao fim da 'linha', onde não existe vestígio algum da passagem dos comboios, mas no meu pensamento existe um guarda-linha de bandeira vermelha na mão e assobio na boca a indicar-me que tenho de regressar. O 'relógio imaginário' marca 1h06m e a minha viagem de regresso começa.

Como o percurso de regresso é mais difícil, a minha cabeça concentra-se mais no corpo, no movimento das pernas, no dobrar dos joelhos em contraponto com as rodas do comboio a deslizar pelos carris e a força que exerce ao subir pelo trilho. Os meus músculos estão mais quentes, apesar da dificuldade da subida, o meu ritmo é melhor. O comboio também não abranda e assim chegamos os dois a Guimarães, o comboio com a sua pontualidade característica e eu com a corrida de treino terminada no tempo exacto de 2h10m.

Amanhã parto para Roterdão, para no domingo correr a maratona. Levo na bagagem a mesma alegria e ansiedade, que em criança na Estação de Guimarães, pela mão do meu pai subi os degraus da carruagem para a minha primeira viagem de comboio.

Até ao meu regresso...Boas corridas!

quinta-feira, 5 de abril de 2007

No domingo em que me ofereceram tulipas.

Já passaram dois anos. Seria um domingo como muitos outros, se não estivesse na Holanda e não fosse o dia em que correria a Maratona de Roterdão. Recordo muitas vezes as emoções vividas naquele dia.

Partimos cedo de Niew Vennep para Roterdão, estava uma manhã cinzenta, o céu com nuvens carregadas anunciava chuva. Do rádio do carro, saiu a música "Born to run" do Bruce Springsteen e imaginei-me logo a correr na imensa planície holandesa que os olhos perdem de vista.

Quando me encaminhei para a zona de partida, depois de um breve aquecimento, comecei a ter a noção da multidão que estava para correr a maratona. Olhei em frente e vi milhares de cabeças, olhei para trás vi ainda muitas mais. Um cantor entoou uma canção holandesa e quase todos os atletas o acompanharam, fazendo um gigantesco coro. Impressionante! Logo a seguir um canhão disparou um tiro e a maratona começou.

Na passagem pela ponte Erasmus, com apenas três quilómetros de prova, começou a chover intensamente, mas os aguaceiros não foram suficientes para demover a população de Roterdão, de sair à rua e aplaudir os atletas. A envolvência que a cidade tem com a maratona, foi visível ao longo de todo o percurso. Haviam bandas de música a tocar em vários pontos do trajecto e nunca faltaram palmas e palavras de incentivo.

Ao quilómetro dezassete, avistei uma bandeira portuguesa agitada pelo meu cunhado e por um grupo de amigos holandeses, que gritavam: "José! José! José!". Mesmo assim, não me deslumbrei, nesse momento senti que o andamento estava rápido, abrandei um pouco e inseri-me num pelotão de atletas para tentar reguardar-me da chuva e do vento que não paravam.

Em frente ao Estádio do Feyenoord, completei a meia-maratona e o relógio da prova marcava 1h25m51s à minha passagem. Aqui fiz um balanço da corrida. Se na segunda parte da corrida não contabilizasse uma quebra superior a cinco minutos, terminaria com um excelente tempo.

Pouco antes da famosa "barreira dos trinta e cinco quilómetros", as minhas pernas deram sinais de cansaço. Um entusiasta espectador, pareceu presentir as minhas dificuldades, correu a meu lado uns bons duzentos metros, gritando aos meus ouvidos palavras que eu não entendi, mas pela entoação efusiva, só poderiam ser de incentivo. No abastecimento dos trinta e cinco quilómetros, a chuva tinha parado e o sol começou a brilhar rompendo as nuvens. Parece que ganhei forças, ou antes, senti que não as tinha perdido.

Quando passei a placa dos quarenta quilómetros, olhei para o meu
cronómetro com um sorriso. Ia conseguir um belo tempo! Confiante e determinado, embalei para os derradeiros quilómetros com uma passada vigorosa, que foi aumentando de ritmo até à recta final, aqui galvanizado pelos aplausos do numeroso público, fiz um sprint repleto de esforço e felicidade. Cortei a meta com 2h56m04s!


Uma simpática holandesa, envolveu-me numa capa de plástico e colocou-me a medalha em volta do pescoço. Sorriu para mim e deu-me os parabéns, eu que transbordava de alegria nem precisei de sorrir para retribuir. Eufórico, fui caminhando para a zona da saída. De repente, para meu espanto, a filha de um casal amigo da minha irmã, a pequena Linde, corre para mim e oferece-me um ramo de tulipas amarelas. Exaltei de felicidade!

No próximo dia 15 de Abril, estarei de novo em Roterdão para correr a maratona inspirado pelo perfume das tulipas.